Paradise Lost de John Milton
Tiragem azul-celeste,
1.000 exemplares numerados,
Paraíso perdido – Livro I, o manuscrito único de um poema lendário
Há textos que são a obra de uma vida: é o caso de Paraíso perdido, de John Milton, bíblia do romantismo e de diferentes gerações de autores e leitores ao longo dos séculos, cujas dez partes foram escritas entre 1658 e 1663.
Pode-se imaginar John Milton, entre 50 e 60 anos mais ou menos, cego, afastado da vida pública, recluso, dedicando seu tempo à leitura, ao estudo e à escrita, e recitando em voz alta, provavelmente em uma sala escura, estas poucas estrofes:
A rebeldia – e o fruto, que, vedado,
Com seu mortal sabor nos trouxe ao Mundo
A morte e todo o mal na perda do Éden,
Até que Homem maior pôde remir-nos
E a dita celestial dar-nos de novo.
Do Orebe ou do Sinai no oculto cimo
Estarás tu, que ali auxílios deste
Ao pastor que primeiro aos escolhidos
Ensinou como do confuso Caos
Se ergueram no princípio o Céu e a Terra?
Ou mais te agrada Sião e a clara Síloe
Que mana ao pé do oráculo do Eterno?
Lá donde estás, invoco o teu socorro
Para este canto meu que hoje aventuro,
Decidido a galgar com voo inteiro
Muito por cima da montanha Aônia,
De assuntos ocupado que inda o Mundo
Tratados não ouviu em prosa ou verso.
(Tradução de Antônio José de Lima Leitão - 1787-1856)
…
Este manuscrito, único remanescente do trabalho originário de Paraíso perdido, datado de quase cinco séculos, é um sobrevivente do tempo. Corresponde ao Livro I, cuja história começa após a desobediência do homem e a exclusão do Paraíso. O motivo? A Serpente, é claro, ou mais exatamente Satanás, que incita a rebelião contra Deus cercado por suas legiões de anjos prestes a cair, condenados ao Inferno. Um lugar povoado por sombras, chamado Caos, onde Satanás acorda, confuso, desorientado, exilado entre as almas perdidas.
O anjo rebelde então convoca seu companheiro de crime mais próximo, Belzebu, atiça suas legiões com a promessa de outro Céu e organiza seu exército para a batalha. Do abismo então se ergue o Pandæmonium, capital do Inferno, onde Satanás convoca o conselho de demônios antes de dirigir-se, no Livro II, ao mundo divino, com a intenção de corrompê-lo.
A gênese de Paraíso perdido
Nascido em 1608, John Milton estudou em universidades de prestígio – St. Paul’s em Londres, Christ’s College em Cambridge. Brilhante e ao mesmo tempo tumultuoso, ele começou a escrever jovem, por volta dos dez anos de idade. Seus primeiros trabalhos de escrita consistiam em poemas em latim e cartas em prosa inglesa, e seu primeiro poema seria publicado em 1632.
Paraíso perdido germinou na mente de Milton já em 1640 – o que é evidenciado pela existência de alguns esboços de uma tragédia a ser intitulada Adam Unparadised. Naquela época, o autor tinha 32 anos, e seus panfletos a favor das liberdades civis e religiosas o colocavam na vanguarda da cena política; ele inclusive teria uma carreira reluzente durante a Commonwealth, ao lado de parlamentares do governo Cromwell. No que diz respeito a sua vida pessoal, ele escrevia, sofria os caprichos de um casamento infeliz e sentia os primeiros sinais de uma fragilidade ocular.
A Restauração marcará o fim de duas década de sua existência pública. Suas obras serão condenadas, e ele até passará uma curta estadia na prisão em 1660. A partir desse momento, ele irá se dedicar tanto aos estudos quanto à escrita. Cercado por sua terceira esposa – as anteriores morreram no parto – e pelas filhas, Milton verá sua saúde piorar. Cego a partir de 1652, o poeta, no entanto, dará continuação a sua grande obra. Ele irá compor em voz alta, obrigando-se a memorizar os textos para depois ditá-los e reorganizá-los conforme necessário. Aqueles próximos ao escritor, como suas filhas mais novas, Mary e Deborah, ou ainda seus amigos, atuarão como copistas.
Um trabalho coletivo
A transcrição de Paraíso perdido é, portanto, o resultado de um esforço coletivo. Milton compunha à noite ou de manhã cedo, deitado em sua cama; e corrigia as páginas à medida que lhe eram devolvidas, sempre oralmente. Segundo testemunhos da época, durante esses ditados, o poeta estava sempre sentado, o corpo atravessado numa poltrona, uma perna apoiada em um dos braços desta última.
O manuscrito consiste em 33 páginas numeradas, organizadas por um copista profissional que provavelmente usou vários rascunhos ditados por Milton a seus vários escribas. O documento traz os vestígios de correções de cinco pessoas diferentes, realizadas sob a supervisão de Milton. Foi usado para a primeira edição do livro em outubro ou novembro de 1667, e traz, em sua primeira página, o imprimatur (autorização para imprimir, em latim) da Stationers’ Company*, antigamente necessário para a impressão e a distribuição de um livro: Let it be printed. Thomas Tomkyns, one of the religious servants of the most reverent father and lord in Christ, Lord Gilbert, by divine providence archbishop of Canterbury. Richard Royston. Entered by George Tokefield, clerk.
Embora concluído em 1665, Paraíso perdido só foi impresso dois anos depois, por causa da escassez de papel – devido à Segunda Guerra Anglo-Holandesa –, da epidemia de peste e do grande incêndio que devastou Londres entre 1665 e 1666. Samuel Simmons, que havia adquirido o manuscrito de Paraíso perdido por £5, mandou imprimir cerca de 1.300 exemplares dessa primeira edição, vendidos a 3 xelins cada. O contrato assinado com Milton, o primeiro desse tipo ligando uma editora ao seu autor, estipulava que Simmons teria que pagar £5 adicionais quando a comercialização do livro tivesse fim.
Um tesouro da Morgan Library (Nova York)
O manuscrito foi vendido por Simmons ao livreiro Brabazon Aylmer por £25; depois passou pelas mãos de vários proprietários até ser adquirido por Pierpont Morgan junto à Sotheby’s Londres, em 1904.
Paraíso perdido inspirou gerações de escritores, incluindo John Keats, George Eliot e Thomas Hardy; assim como grandes compositores, como Haendel e Haydn. O inglês contemporâneo reteve de Milton certos neologismos forjados no romance, como ‘dreary’, ‘pandæmonium’, ‘acclaim’, ‘rebuff’, ‘self-esteem’, ‘unaided’, ‘impassive’, ‘enslaved’, ‘jubilant’, ‘serried’, ‘solaced’, ‘satanic’... Na França, François-René de Chateaubriand propôs uma tradução literal do texto, uma homenagem ao gênio de Milton, que marcou o século XIX.
Notes :
* The Worshipful Company of Stationers and Newspaper Makers é a corporação de papelarias, impressores e editores da cidade de Londres. Fundada em 1403, ainda está ativa, mesmo que seu papel hoje seja apenas consultivo.
Fontes bibliográficas:
- Gordon Campbell, Milton, John (1608–1674), Oxford Dictionary of National Biography, Oxford University Press (2004).
- François-René de Chateaubriand, Le Paradis perdu suivi de Essai sur la littérature anglaise, Garnier (Paris, 1876).
- Armand Himy, Milton, Fayard, Paris (2003).
- John Keats, The Complete Poems, Penguin Classics, London (1988).
- Barbara Lewalski, The Life of John Milton, London (Wiley–Blackwell).
- John Milton, Paradise Lost, printed at the Lyceum Press Liverpool and published by the Liverpool Booksellers' Co. Limited 4to (London, 1906).
- Sites: The Morgan Library, Keats House Museum, The Open University UK (record ID 17367), Museum Crush (Keats' copy of Paradise Lost)
Editado em grande formato
Foram impressos 1.000 exemplares
desta edição azul-celeste.
Cada caixa é feita à mão.